quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Recortes Literários


Nunca havia lido um livro de Graciliano Ramos, mas sempre tive uma grande esperança em sua literatura. Leio pouco os autores brasileiros, pois eles não me atraem muito. Principalmente aqueles regionalistas; estes me causam repúdio; dificilmente os lerei. Não gosto de autores que fiquem naquela coisa de falar de descrever lugar assim, lugar assado, e se prender a isso. Com Graciliano é diferente: o lugar de onde veio, o Nordeste, é usado apenas como instrumento para que a piedade que venhamos a sentir pelo personagem aumente.

Não, não estou falando de "Vidas Secas", mas de "Angústia", primeiro e ótimo livro que li dele, que fala de Luís da Silva, um nordestino derrotado, que só tem tristezas a contar de sua vida, e vive com uma nostalgia angustiante do passado que viveu no Nordeste. E por incrível que pareça, ainda há espaço para um humor natural e espontâneo, mesmo que pareça difícil haver algum humor num livro como esses. Vale muito a pena lê-lo, pois é uma leitura simples e agradabilíssima.

Vão aqui algumas partes deste livro angustiante e encantador.


“... Escrevi muito atacando a república velha, doutor; sacrifiquei-me, endividei-me, estive preso por causa de ideologia, doutor.

Afinal, para se livrarem de mim, atiraram-me este osso que vou roendo com ódio.

Chegue mais cedo amanhã, seu Luís.

E eu chego.

Informe lá, seu Luís.

E eu informo. Como sou diferente de meu avô”.

“Os livros idiotas animam a gente. Se não fossem eles, nem sei quem se atreveria a começar”

“E contava mentalmente o dinheiro suado e mesquinho. Na sala de projeção a neta de d. Aurora abriu um leque enorme em cima das coxas e meteu minha perna entre as dela. Subitamente o rato deixou de roer-me. O que eu estava era indignado. E calculava. Três passagens de bonde – mil e duzentos. Três sorvetes – três vezes cinco, quinze. E entradas no cinema. As coxas da moça eram frias. Com certeza fazia aquilo por hábito. Naquele tempo eu andava como um bode. Mas esfriei também. Cinco mil-réis por seis horas, à noite, suspensões, multas, o jornal indo para cima e para baixo. Era um sofrimento a ideia de que no fim da quinzena ficaríamos sem o cobre que estava enganchado”.

“Maria, nem só de smoking vive o homem”.

“Um galo no galinheiro pôs-se a arrastar a asa a uma franga. Eu estava fazendo ali a mesma coisa, apenas com mais habilidade e mais demora. A franga não aparecia”.

“Quem tem de se empenhar que se venda logo”.

“Realmente, coitada, era dali para a cova, com escala pelo hospital”.

“Escolher marido por dinheiro. Que miséria! Não há pior espécie de prostituição!”

“Agora não podia arredar-me dali. Parecia-me que, na minha ausência, Julião Tavares penetraria na casa e levaria o que me restava: livros, papeis, a garrafa de aguardente”.

“Quem sabe lá escolher com segurança os atalhos menos perigosos? A gente vai, vem, faz curvas e ziguezagues, e dá topadas de arrancar as unhas. A água lava tudo, as feridas mais graves cicatrizam”.

“Quem andou por este mundo roendo chifre não se engancha com bobagens. Porcaria. Tenho comido toucinho com mais cabelo”.

“Bebi o resto da aguardente, pensando em coisas sagradas, Deus, pátria, família, coisas distantes. Por cima da armação da bodega havia a litografia de uma santinha bonita. Lembrei-me do Deus antigo que incendiava cidades”.

“A minha pátria era a vila perdida no alto de uma serra, onde a chuva caía numa neblina que escondia tudo. Se eu tivesse ficado ali, ignoraria o resto do mundo”.

“Também já não sabia as vantagens que o catecismo reserva aos que têm fome e sede de justiça”.

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